A Estranha ? A Despedida
Nestor estava ainda fechando a porta do apartamento quando se sentiu abraçado por trás e uma voz rouca sussurrou-lhe no ouvido direito: – O …
Nestor estava ainda fechando a porta do apartamento quando se sentiu abraçado por trás e uma voz rouca sussurrou-lhe no ouvido direito:
- O que você vai fazer hoje?
- É um convite?
- Não. É uma ordem - disse Paula, virando-o para si.
Sentado numa mesa do bar do Aeroporto John F. Kennedy, Nestor fazia um retrospecto daqueles últimos quatro dias. Um vendaval!
Estava fincado na memória aquele fim de tarde, no Waldorf, quando subiu para o apartamento de Paula. A noite instalou-se sem que eles se dessem conta e nenhum dos dois fez a mínima menção a uma eventual saída, nem mesmo para um jantar ou coisa semelhante.
Já exaustos, num intervalo do intenso jogo corporal, Paula, depois de uma consulta, ligou para a copa, fez um pedido e, olhando maliciosamente para Nestor, completou:
- E um champagne Cristal brut.
Aquela comemoração de um encontro mágico, transformou-se num ritual de comemorações. Manhã, seguinte, ainda sob o efeito de um orgasmo prolongado, Nestor balbuciou: "O amor é sede depois de se ter bem bebido".
- O que foi que você resmungou?
Nestor repetiu a frase, comentando, "Guimarães Rosa escreveu alguma coisa parecida." Não pôde falar mais nada, com os lábios ocupados pelos lábios da companheira que, esfregando-se nele, num sussurro provocativo, excitou-o de novo:
- Estou morrendo de sede.
Nestor olhou o relógio do aeroporto, suspirou e lembrou-se do pedido para que se mudasse para o apartamento dela, no Waldorf, até seu regresso para o Brasil.
Saíram pouco, três refeições em restaurantes especiais, comeram ostras com olhares provocativos, uma visita ao MoMA, um musical na Broadway e um grande eio pelo Central Park. O resto do tempo foi dedicado a longas conversas e, principalmente, aos jogos eróticos.
Nestor percebeu que apesar de seu caráter dominador, Paula, na cama, era uma fêmea excepcional, intuitiva, inventiva, provocadora, mas iva. Entregava-se inteira?
Durante aqueles dias, Nestor cuidava para não chamar Paula de Paula, chamando-a sempre de Regina, mas num momento em que desfaleciam num orgasmo múltiplo, ele deixou escapar, diversas vezes, Paula, Paula? Ela, sem contradizê-lo, só gemia de profundo prazer.
Nestor consultou o relógio e suspirou novamente. Faltavam 10 minutos para o último encontro, conforme o combinado. Por causa de uma consulta ao médico, marcada há muito, Paula deixou de acompanhá-lo na ida para o aeroporto. A despedida seria lá, mas apenas uma hora antes do vôo.
Um turbilhão de idéias atropelava Nestor que, sabia, não poderia escapar das conseqüências daquela separação compulsória. Imagens ridículas sucediam-se em sua cabeça e uma, mais absurda, conseguiu arrancar-lhe um gesto brusco de repulsa.
Os fatos eram objetivos: Paula não poderia voltar ao Brasil e nem ele abandonar o país e jogar fora a profissão e todos aqueles valores conquistados com trabalho, muito trabalho. O ado, inda que por motivos diferentes, separava ambos.
Naqueles quatro dias, Nestor armazenara olhares, cheiros, risos, silêncios cúmplices e outros introspectivos, impenetráveis. Nestor transbordava de vivências até então inéditas e percebeu que muitas coisas conhecidas, até então apenas livrescas, traziam à tona um homem diferente. Nestor chegara ao último patamar que denuncia a paixão e, melhor - ou pior -, sabia disso.
Quando acabara de pedir um segundo uísque, um rapaz cuja fisionomia não lhe era estranha, chegou junto a mesa e falou:
- Mr. Azevedo, não?
- Sim.
O rapaz, um estafeta do Waldorf, entregou-lhe um envelope, dizendo que atendia a um pedido da sra. Pádua Ramos.
Estendeu a mão, pegou o envelope e, atônito, ficou mudo, olhando o estafeta que, por sua vez, olhava para ele. ado alguns segundos, Nestor deu-se conta da realidade, resmungou um "sorry", catou uma nota no bolso e despachou o estafeta com um "thanks".
Pálido, Nestor ficou olhando o envelope como se quisesse radiografar o seu conteúdo. Esvaziou o copo de uísque num único gole, ficou virando o revirando o envelope, em busca de alguma coisa além do "Mr. Azevedo".
Não ouviu a chamada para o vôo em inglês. Envelope na mão, Nestor ficou olhando o vácuo, sentindo-se um objeto oco. Visto por fora, uma escultura-enigma.
A repetição da chamada, em português, tirou-o do torpor, mas não muito. Arrastou-se até a sala de embarque como se mãos invisíveis o empurrassem e repetissem Poe: nunca mais, nunca mais?