O mal não possuía uma cara, algo com identidade visível, de modo que pudesse ser denunciado assim que se manifestasse.  

As múltiplas correntes religiosas, primordiais e hegemônicas, viram na figura do Diabo um importante aliado para obter poder, mando e desmando. E, semelhante estratégia de manipulação do pensamento coletivo, na criação de um Deus impiedoso e vingativo. Ninguém ficaria imune  à sua ira, em especial os ímpios, que estavam se lixando. Com um Deus assim, e o Diabo pelas costas, acendeu-se o fogo sob um caldeirão de neuroses, em que fervia também um vasto repertório de paranóias persecutórias.  

Este Deus e este Diabo, reinaram  através dos séculos nas trevas da ignorância, deixando atrás de suas instituições um rastro de horror e um rio de sangue, em cujas margens hoje comemos pizza, vamos ao cinema e criamos os nossos filhos.

Contudo, em tempos de Ipod, Mp3 e internet,  o Diabo perdeu terreno e experimentou a mais perturbadora crise de identidade de toda a sua existência.  Há quem diga que o Diabo é não ter dinheiro, ou ficar gripado no verão. Pessoalmente eu acho que o Diabo é não revisar adequadamente os meus textos. Você acha que o Diabo é conciliar vida social com a Lei Seca. Tem gente que acha que o Diabo veste saias, outros acham que o Diabo é barbudo e não tem o dedo mindinho. E ainda há quem veja na imprensa livre a presença indelével do Tinhoso, o Capeta, o Coisa Ruim, o Enxofroso, o Não Diga. Mas, enfim, o que fica demonstrado é que o Diabo tradicional foi banalizado, perdeu em prestígio e representatividade, especialmente após ter perdido as botas.

Mas, de uns tempos para cá, ando me perguntando: quem  joga a filha do sexto andar do edifício, após espancá-la barbaramente? Quem dispara uma saraivada de balas num carro com uma mulher e duas crianças? Quem é a gaúcha que jogou o bebê do terceiro andar? De quem é a mão que assinou o alvará de soltura do Daniel Dantas? Quem vende Crack? Quem está devastando a Floresta Amazônica em nome do lucro fácil? Quem foi que inventou o capitalismo selvagem, excluiu e condenou milhões pessoas à mais negra miséria? Quem torturou e matou  judeus em escala industrial? Quem soltou a bomba em Hiroshima? Quem jogou os aviões contra as torres gêmeas? Quem fez chover bombas  no Iraque, em tudo e em todos, dia e noite

Conclusão: não existe diabo. Não precisamos do diabo, ele que vá para o inferno. Deus deve andar mais preocupado com um inimigo ainda mais feroz, mais selvagem, mais insensível, mais egoísta, mais louco de pedra, adorador incondicional do dinheiro e auto-destrutivo. Deus, óh  Deus, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes?

Escuto uma voz responder: se você quer fazer elogios ou reclamações, digite 2. Se você quer falar com um dos nossos atendentes digite 7. 

Retiro tudo o que disse. O Diabo está mais vivo e operante do que nunca, ainda mais agora que o gerúndio está consagrado.