A cidade em que nasci

Hora de ter saudadeGuilherme de Almeida Houve aquele tempo…                 (E agora, que a chuva chora,ouve aquele tempo!) Mario Q

Hora de ter saudade
Guilherme de Almeida


Houve aquele tempo?                
(E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!)


Mario Quintana escreveu que o nascimento foi a coisa mais importante que aconteceu em sua vida.


Antecipo-me: a maior coincidência da minha vida foi quando meu pai e minha mãe se conheceram.


Nasci em Campinas, em julho de 1931.  


Equívoco inaugural: a parteira, em vez de Cegonha, chamava-se Ema.


A elite campineira perguntava aos forasteiros se procediam do Interior. Esse mesmo pessoal não se cumprimentava na rua para não dar a impressão de cidade pequena.


Nasci em meio a essa falsa importância quando importantes mesmo, na música, nas artes plásticas e nas letras já haviam nascido: Carlos Gomes, 1836; Guilherme de Almeida, 1890; e Pancetti, 1902.


Por motivos óbvios, nunca vi o compositor Carlos Gomes; por desencontros geográficos, nunca vi o pintor Pancetti, mas muitas vezes, eu, adolescente, irava de longe o poeta campineiro desfilando sua elegância pela rua mais elegante de São Paulo nos anos de 1940/50: Barão de Itapetininga.


Outro dia, ao receber alguns haikais, lembrei-me que a introdução no Brasil do micropoema japonês foi obra dele.


Guilherme de Almeida, em 1936, encontrou-se com o embaixador japonês no Brasil e o jornal O Estado de S. Paulo (fundado pelo campineiro Júlio de Mesquita) publicava, em 1937, os primeiros haicais de Guilherme de Almeida quando, inclusive, sistematizou sua forma para o nosso idioma.


Sua receita mantém o título e os três versos do modelo japonês. O primeiro verso e o terceiro são de cinco sílabas cada e o segundo com sete sílabas. O primeiro verso rima com o terceiro e a segunda sílaba do verso do meio rima com a sétima.


É dele o exemplo:


Infância:


Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".


Grande quantidade de poetas, inspirados pela proposta de síntese, criaram seus haikais com formatos diferentes. O paranaense Paulo Leminski foi um deles e gosto muito deste:


Morreu o periquito.


A gaiola vazia
Esconde um grito.


Mas o pontapé inicial foi mesmo de Guilherme de Almeida, responsável por esta crônica que só mesmo os descaminhos da memória podem explicar.


Semana ada, navegando pela Internet, encontrei uma pergunta sobre o motivo pelo qual o poema "Canção do Outono", do francês Paul Verlaine, ser tão famoso. Satisfiz o curioso com a explicação dos dois motivos.


Sendo o outono a estação em que as folhas caem, Verlaine conseguiu - com palavras - um "ritmo visual e musical" de uma folha, embalada pelo vento, cair. Essa a resposta literária.


A outra - histórica - marca o dia em que a Europa e o mundo começaram a se libertar da desgraça nazista, no "Dia D", 6 de junho de 1944, quando as tropas aliadas desembarcaram na Normandia, região sa defronte ao Canal da Mancha.


Dias antes da data a ser decidida, a emissora BBC, da Inglaterra, começou a transmitir a senha para a Resistência sa - os partisants - ser informada da iminência do início da operação.


Os primeiros versos da "Chanson d"Automne", de Paul Verlaine, eram a senha:


Les sanglots longs
Des violons
De l?automne
Blessent mon coeur
D?une langueur
Monotone.


Afinal, onde entra o Guilherme de Almeida?


Autor de dezenas de livros de poesia, de prosa e de ensaios, de traduções poéticas, tradutor de peças teatrais de autores ses e ingleses, autor de livros para crianças, participante da Semana de Arte Moderna de 22, soldado da Revolução Constitucionalista de 32, exilado por Vargas, membro das academias paulista e brasileira de Letras, Guilherme de Almeida foi eleito em 1959, em concurso instituído pelo jornal carioca Correio da Manhã, o "Príncipe dos Poetas Brasileiros";.


Esse nobre operário das letras foi um dos poetas brasileiros que venceu o desafio de colocar a "Canção de Outono" no idioma que glorificou Camões:


Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.


E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.


Inté

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Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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