A beleza do mal
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"A maldade nem sempre é tão feia como parece".
G.K.Chesterton.
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"- Estou dentro de um homem ou de um assassino?" perguntava o Padre Brown há mais de 100 anos. Mais do que uma frase de efeito, seu autor, Gilbert Keith Chesterton questionava a absoluta demonização do mal em sua época. O personagem, um ingênuo padre de província, que gostava de bancar o detetive, pregava que era mais importante entender a natureza do pecado do que punir o pecador.
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Está colocado um clássico paradoxo chesterniano: descobrir a motivação do criminoso vem antes da solução do crime. O Padre Brown trafega na contra-mão dos detetives do cinema e da TV - procura entender o pecador e buscar seu arrependimento antes de entregá-lo à justiça dos homens. O que sugere um exercício de ortodoxia canônica em lugar da narrativa detetivesca à qual estamos acostumados. Em sua desconcertante naturalidade em questionar ideias feitas sobre o Bem e o Mal, GKC chama nossa atenção para as contradições da alma humana.
Para contradizer o detetive de batina, ele inventou Hercule Flambeau, gênio do crime e um refinado ladrão de jóias. O primeiro confronto acontece em "A Cruz Azul", onde Flambeau leva a melhor e escapa com uma preciosa relíquia da Igreja. Eles se cruzam mais vezes, até que o Padre Brown encontra Flambeau em um castelo espanhol onde ele vive feliz com a família. Ali, ele o convence a devolver as jóias roubadas e desistir da carreira de crimes. Os confrontos do Padre Brown com o mal e os malfeitores o diferenciam da extensa galeria de protagonistas da literatura detetivesca. Foi avaliado por teólogos e leigos, incluindo até o marxista Antonio Gramsci, que escreveu:
"O Padre Brown zomba do pensamento mecânico protestante e faz a apologia da Igreja Romana contra a Igreja Anglicana. O protestante Sherlock Holmes é um detetive que busca a meada criminosa a partir da ciência, do experimento e da indução. Já o Padre Brown é um católico que, através da psicologia da confissão e confiando apenas na introspecção e dedução, acaba derrotando Sherlock Holmes".
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As aventuras do Padre Brown começaram em 1935, não por acaso o mesmo ano da crise espiritual de Chesterton, que o levaria a se converter ao catolicismo. Mas, mesmo antes disso ele já afirmava que o crime é semelhante a uma obra de arte. E que não nos devemos assustar com isso, pois o crime é apenas a mais popular obra de arte engendrada nas oficinas do Inferno. E cita o antigo provérbio medieval:
"O mais refinado truque do demônio é nos persuadir que ele não existe".
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