A Bastilha

Os ses comemoram esta semana a queda da Bastilha, ocorrida em 1789, evento-símbolo do que eles chamam de Revolução. Feitas as contas, esteve mais …

Os ses comemoram esta semana a queda da Bastilha, ocorrida em 1789, evento-símbolo do que eles chamam de Revolução. Feitas as contas, esteve mais para substituição de um despotismo por outro, em revezamento que se prolongou até a queda de Napoleão III, em 1870.


Vá lá, Revolução, o que já permite o trocadilho - Voilá, la Révolution ! O caso é que a queda da Bastilha é cercada de mitos. É incompreensível sua adoção como símbolo de poder popular, sendo prisão para nobres ou ricos. Mais apropriada seria, em "le 14 de Juillet", a destruição dos muitos calabouços infectos que ofereciam à "gentinha", com a excelente oportunidade de contrair tifo, tuberculose e bubônica, não necessariamente ao mesmo tempo nem nessa ordem.


Nada a ver com a confortável Bastilha que sequer foi construída como prisão. Começou a ser erguida em 1370, ao tempo de Carlos V como fortaleza medieval, para defender Paris contra os ingleses. Todo o sistema de oito torres de 30 metros de altura, circundadas por um fosso de 20 metros de largura, mais o muro de altura igual à das torres, só foi concluído quase 200 anos depois. Só se converteu em prisão de Estado a partir 1624, já no reinado de Luís XIII,  quando o Cardeal Richelieu ou a "hospedar" os antagonistas naqueles aposentos.


A julgar-se por muitos depoimentos de prisioneiros, era a prisão que até mesmo muita gente que nada deve à Justiça haveria de pedir a Deus. Há registro de uma reclamação ao diretor da Bastilha sobre as roupas recebidas: "Senhor, as camisas que me trouxeram não foram as que eu pedi. Solicitei camisas finas, com punhos de renda, e não essas, grosseiras, de mau linho, com punhos mais próprios para um carcereiro".


Exigências desta ordem só podiam feitas por quem não precisava perguntar se os outros sabiam com quem estavam falando. A comida e a bebida eram de primeira ordem, havia diariamente saraus artísticos e literários e, naturalmente, fogosas paixões, que ninguém é de ferro.


Explica-se: além de desafetos políticos, boa parte dos prisioneiros eram rapazes e moças que teimavam em se apaixonar, mas não pelos noivos e noivas que os pais lhes tinham escolhido, ou então maridos influentes que desejavam se livrar das esposas para "sair para outra", ou esposas com amantes influentes, para se livrarem de maridos nada complacentes. Completavam o quadro os intelectuais e filósofos de incômodas opiniões, desde que pudessem agregar ao talento brasão ou fortuna.


A Bastilha era isso. Vai ver que, também por isso, a data só foi considerada o feriado nacional da França em 1880, mais de um século depois.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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