Rumo ao Aeroparque

Por Fernando Puhlmann

"Quem dera não fosse um avião,

e sim um pássaro gigante nos céus a voar"

Bruno Lopes Maciel de Lima

Todo final de tarde ele estava lá. Foi curioso quando a gente o viu pela primeira vez. Começamos a cuidá-lo, ele sempre aparecia na hora que estávamos encerrando o futebol porque a noite vinha chegando. Aí, alguém o avistava primeiro e mostrava aos outros: olha lá. No início, parávamos o que estávamos fazendo e ficávamos olhando, entre assustados e encantados. Depois, foi perdendo a graça, pois, para guri, o que têm todos os dias, perde a graça rapidamente.

Parecia ser só um risco, uma nuvem "espichada" que corria pelo céu, até que um dia, sentados na frente da casa do Seu Mário, ele disse: Vocês sabem o que é aquilo lá no céu?

Olhamos para cima e lá estava ele.

- Uma nuvem?

- Tu não achas que está muito rápido para ser uma nuvem, João? - disse o seu Mário, sorrindo.

Silêncio.

Começamos a nos olhar, ninguém queria errar em voz alta e parecer o ignorante, mas eu garanto que todo mundo pensou que poderia ser um foguete ou um disco voador. Tenho certeza disso.

- Aquele é o vôo para Buenos Aires, capital da Argentina, nos informou o dono da casa.

- Mas porque a fumaça, vô?

- É que, quando um avião voa rápido demais, ele faz isso no céu, Caio.

Pronto, estava reestabelecido o meu encantamento por aquela imagem. A partir daí, todo dia eu cuidava o vôo para Buenos Aires. Porquê? Não sei, mas ele ou a fazer parte do meu dia, assim como a gente sabe que tem que almoçar ou dormir, eu sabia que tinha que esperar o vôo ar o céu do Alegrete.

Comecei a imaginar quem eram as pessoas dentro do avião, de onde vinham, porque estavam indo para Argentina, se ficariam lá, se voltariam, e, nesse desejo de o  observar, comecei a criar outro hábito, o de assistir ao pôr de sol no Alegrete e, digo para vocês, o pôr de sol da Fronteira é espetacular.

O pôr de sol acontecia atrás da BR 290. Vou explicar melhor: da janela do meu quarto, o sol caía atrás da BR, então, eu corria todo final da tarde, me postava na janela e de lá ficava esperando o sol baixar. Enquanto ele descia, as nuvens iam ganhando um tom mais alaranjado e, no final, acabavam ficando vermelhas. Era um mar dourado, com nuvens laranjas navegando.  A estrada também ia ganhando vida, pois os carros que avam por ela não eram nítidos de onde eu observava, mas o brilho dos faróis sim. Então, conforme a luz solar diminuía, tudo ia ficando mais mágico e visível. A partir daí, eu podia ver a claridade dos veículos deslizando, outras vidas indo e voltando, de onde e para onde eu não sabia, mas não precisava saber, eu criava as histórias de cada uma.

Quando já praticamente não havia mais luz solar, aparecia ele, majestoso no céu, rasgando o firmamento rumo ao Aeroparque e, então, eram mais alguns minutos de elucubração na cabeça de um guri que sempre criou muito.

Às vezes, quando a vida aperta, eu volto lá, fecho os olhos e estou de novo na janela do apartamento da Mariz e Barros. Fico irando o navegar das nuvens, os faróis na BR e aguardando o vôo ar.

Autor
Sócio-cofundador da Cuentos y Circo, Puhlmann é um dos principais especialistas em YouTube do país, com um olhar focado em possibilidades de faturamento na plataforma e uma larga experiência em relacionamento com grandes marcas do mercado de entretenimento. Além de diretor de Novos Negócios da CyC, tem também no seu currículo vários canais no país, entre eles o do escritor Augusto Cury, do Gov Eduardo Leite, Natália Beauty e do Grêmio FBPA, sempre atuando como responsável pela estratégia de crescimento orgânico dos canais. Já realizou palestras sobre a nova Comunicação juntamente com diretores do YouTube Brasil como a abertura do 28º SET Universitário da Famecos-PUCRS, o YouPIX/SP e o Workshop YouTube Gaming Porto Alegre. Desde 2013, Puhlmann ministra cursos, seminários e oficinas sobre YouTube, tendo mentorado mais de 30 canais nos últimos anos.

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