Tortas vermelhas 2q1k2f

Um banquinho e um violão. Quem curte isso, hoje? Só quem sabe perceber o valor da poesia nas coisas simples e bem feitas. Que … 3d3p17

05/06/2008 00:00

Um banquinho e um violão. Quem curte isso, hoje? Só quem sabe perceber o valor da poesia nas coisas simples e bem feitas. Que se tornam complexas e sofisticadas, pois são certamente refinadas. 5d5y3b

Perceber valores exponenciais na chuva, na fumacinha de frio exalada na atmosfera do Primeiro Mundo, fixar-se na nota do piano ou no tom lascivo da cantora, prestar atenção no insustentável, na noite e suas luzes, tudo isso é uma arte. No cinema, a melancolia e os poetas andam de mãos dadas. Os diretores da sensibilidade trabalham mesmo com baixos orçamentos e, até assim, nos proporcionam os melhores momentos de desejo.

Um beijo roubado é tudo isso. Um filme de banquinho e violão. No caso, uma trilha com piano, vozes relaxantes, sussurradas e muito swing. Não faltam as cores das vitrines, o clima pop dos cafés em Nova York, uma onda retrô, nostálgica. Quem não se ligou nos antigos postes pintados de azul dentro da cafeteria de Jeremy?

As desilusões amorosas são degustadas até o último pedaço. Sabores doces, gelados e calientes fazem o contraste de paladares e de sentimentos. A eterna busca da cara-metade e a filosofia estradeira tornam-se, de novo, um prazer tangível. Faz sentido ser emo, ser triste. 

Sem falar no casting do filme. Escolhas na medida, de competentes e carismáticos atores, entre estreantes e experientes. Esse mix deu jogo.

Na fórmula de Wong Kar Wai, narrativas na primeira pessoa, lágrimas e cartas de saudade. Você reconhece essa mistura? Fique sabendo que café, vodka, chuva e torta de mirtilo (mirtilo?) dá esse efeito. Você sai do cinema e a no bistrô mais próximo, babando. O que de mais semelhante poderá encontrar é um torta de amêndoas com frutas vermelhas, amoras ou morangos. Não desepere. São todas berry. 

A essas alturas, sempre pinta um cigarro. E daqueles enrolados pelo próprio consumidor, em moda no estrangeiro. Cafés e bares dão a deixa para o questionável e cíclico hábito de fumar. Afinal, combina. É um ato tão irresponsável quanto beber e se atirar aos doces. Um beijo roubado é um convite aos pequenos e grandes deslizes. Sem falar em jogar ou sair por aí, à easy rider. A vida, que se esvai ainda mais rapidamente na companhia dos maus hábitos, consome os poetas e, diminuindo-lhes a existência, lhes confere munição para alimentar a saudade de estar vivo.

Essa história cotidiana da vida em cafés e bares não é nova. O sofrimento e as alegrias dos personagens-fregueses, os costumeiros freqüentadores dessas pequenas e aconchegantes lojas de pequenos prazeres, fazem do convívio local uma grande família. No entanto, a temática intimista é cansativa para quem não se entrega à proposta.

O jeito é se deixar levar. Viver cada aproximação como a única, curtir aquela dorzinha de cotovelo básica, chorar, arriscar e, por que não, conviver também com os finais felizes.