Testando, um, dois 696q29

Minimetragens, minicontos, minirroteiros. Mini-histórias comparadas a pontinhas de icebergs. Especiais em caso de miniesperas, filas, paradas de ônibus e até sinaleiras. Perfeitas para o … 77030

06/12/2007 00:00

Minimetragens, minicontos, minirroteiros. Mini-histórias comparadas a pontinhas de icebergs. Especiais em caso de miniesperas, filas, paradas de ônibus e até sinaleiras. Perfeitas para o nosso minitempo, minidedicação, minigrana, minibolso e agora minialgibeira. Minicontos de além-mar. 253l

Fu Lana estava com o livrinho de bolso (Contos de Algibeira, Ed. Casa Verde). Gostaria de estar lendo no porto, mas estava no banco, em algum dia de pagamento de contas. No rosto, minisorrisos a cada página. Alguma daquelas maxidéias costuradas em poucas palavras iria fazê-la pensar diferente. Acreditando na mágica da imaginação, saboreava cada surpresa daqueles miniuniversos. Que a fila não andasse. Estava feliz, enfim.

Quem lê uma minificção faz mover os neurônios. Não mais do que o autor, é claro, que, antes, percebe o todo e expõe o detalhe. Escolhe a parte suspensa entre um pensamento e um descuido, entre a queda, o suspiro e a morte. Nos minicontos, você vê o cenário e pode adivinhar o que se ou, ou o que acabou de acontecer, ou o que aconteceu há muito tempo ou até mesmo o que virá a acontecer. Tira algumas lições e diverte-se. A surpresa é o segredo. Como é possível dizer tanto em tão pouco espaço? Tchã! Cada palavra é uma pista. Precisa-se ler com atenção e cuidado. É um jogo de esconde e acha. Reler ajuda sempre. 

Minicontos também são minirroteiros, no caso, para minimetragens. Existe todo um mundo mini, para acelerar nossa minguada imaginação. Com poucos recursos, poderemos contar histórias de mini-heróis, minicasos de amor, minitragédias. A morte, preferida dos minicontistas, é a personagem mais freqüente. Pois, em um minuto se ela o é, no outro, já se acabou. É um minisuspiro e o mundo mudou.

Pode ar, senhora. Que pena. Fu Lana pôs o minimundo mágico na bolsa e encarou a estagiária na soleira da porta rotatória. Se escrevesse, poderia criar minicontos a todo o segundo. Enquanto rodasse entre os vidros, ao soar do alarma, ao voltar e deixar o guarda-chuva, ao retornar a girar, ao novo soar do alarma. Ao perder a paciência e forçar a estagiária a consolá-la, ao xingar Deus e o mundo, ao perder a compostura, ao perder a noção, ao sentir o suor frio e ver o guarda lhe encarando e se aproximando com a mão no coldre. Ela, então, beijaria o solo em uma taquicardia tão abrupta quanto inadequada. Poderia até fazer um parágrafo para marcar a ênfase do alvoroço no saguão. E quando abrisse novamente os olhos, poderia colocar um ponto final na sua pequena aventura e, finalmente, ler o que havia escrito. Ao ver os rostos assustados de todos os presentes, poderia concluir que o melhor seria continuar lendo, e aprender a mágica de sacar o instante e prendê-lo na página?

Pode ar, senhora! Senhora? Fu Lana saiu do transe. Sorriu sem graça. Estava atrapalhando o tráfego, parada, olhando fixo para um ponto qualquer atrás da estagiária. Finalmente, constrangida, ou pela porta, pagou as contas e voltou para a sua longa e arrastada história sem surpresa ou desfecho.

Talento é para poucos. Melhor era mesmo continuar apreciando. Deixar para quem sabe. Ou, eventualmente, continuar tentando.