Prazer, Zuzu 5b6b4c

Fu Lana foi ao cinema de sangue doce. Afinal, fazia apenas uma vaga idéia de quem era Zuzu Angel. Modelista (não se usava o … o5a6d

10/08/2006 00:00

Fu Lana foi ao cinema de sangue doce. Afinal, fazia apenas uma vaga idéia de quem era Zuzu Angel. Modelista (não se usava o termo designer no Brasil no final dos anos 60, até porque se copiava tudo), da alta sociedade carioca que teve um filho preso. Mulher badalada, e só. 372d3u

Tomou nos dedos pra aprender. O filme Zuzu Angel é tocante, esclarecedor, refresca a memória sobre um período sobre o qual a gente pensa que sabe tudo. Aliás, hoje, todo mundo pensa que sabe tudo, só porque acha no Google.

Diferentemente do filme Olga, que Fu Lana achou melodramático e meio descolado da cena real, Zuzu traz uma reconstrução muito curiosa dos anos 70. Não lembrava que a moda era tão escandalosamente estampada, florida e cheíssima de órios: cintões, brincões e bolsas com alças enormes, de madeira. Nada a ver com o básico e discreto de hoje. Claro que o filme tem seus resvalões, como a fala dos adolescentes revolucionários, cheia de verbos bem conjugados (apesar de que os cariocas conjugam sempre muito bem), mas aquelas caras de autômatos dizendo com convicção teatral: mamãe, nós vamos mudar o mundo? não cola mesmo.

Se Fu Lana não soubesse mais ou menos o que se ava no país não entenderia por que razão se dava tanta atenção para aqueles robozinhos ditos comunistas. Ainda bem que o diálogo entre personagens adultos convence. E não parece problema dos atores, que são ótimos. Um textinho mais elaborado sobre o objetivo da revolução seria bem interessante, para a construção do real ambiente da época.

O personagem Zuzu é absolutamente verossímil e a inocência dos militares em quem quase acreditamos quando dizem que não viram Tuti em suas cadeias fez Fu Lana pensar nos dois lados da moeda. As cenas de tortura não transformam o pobre espectador em torturado. São igualmente verídicas, porém curtas e não massacram a audiência. Dão uma idéia do que poderia ter sido a tortura, mas não tornam o filme escatológico, como devem ter sido aqueles tempos na prática.

Se o cinema brasileiro pretende competir nas telonas com o cinemão, tal como Fu Lana leu sobre o filme, talvez não possa ir muito além do que foi mostrado. A começar pelo orçamento, que chegou a R$ 6 milhões. Lá fora, esse valor é fichinha. Há quem diga que faltou criatividade na apresentação da conjuntura. Assaltos a banco, prisões em eatas seriam chavões. Porra, pensou a desbocada Fu Lana: como apresentar estas mesmas cenas reais e freqüentes da época, sem cair na mesmice? Mirabolantes tomadas talvez, viajou ela, ao imaginar cenas saturadas de cores, com texturas e enquadramentos intimistas e difusos. Nada que ela já não tivesse visto no cinema.

Fica para a posteridade esse filme que reproduz o medo vivido por uma mulher que encarou situações difíceis sem desistir. Enfrentou, por exemplo, um assassino, com ares de marginal, que acaba entregando o serviço sujo realizado nos pátios e nos porões militares. E faz com que a gente sinta vontade de fugir dali, mesmo que ali esteja a atriz Patrícia Pillar, tão bonitinha e manjada das telinhas. Uma atriz que aproveita a oportunidade que tem. 

No entanto, só a história de Zuzu é um forte argumento. Foi primeiro costureira e depois estilista e fez, à sua maneira, uma revolução à 22 na moda brasileira. Pioneira, por razões infelizes. O abalo emocional fez com que a sua mensagem de moda asse a ser regional, no caso, nacional, onde a história e a cultura sobrevivem nos padrões e no material, quando o produto a a ter uma linguagem diferente do resto do planeta. Made in Brazil.

Um dia, alguém vai fazer cinema no Brasil sem usar atores conhecidos, sem fazer com que a gente sinta aquele ranço de tevê. O caminho, no entanto, é acertado no longa Zuzu Angel. Um filme obrigatório que emociona de verdade. A marca registrada do diretor é quando o toca-fitas do carro de Zuzu emperra e insiste em tocar "Apesar de você", apesar do militar tentar desligá-lo a porradas. Esta figura pereniza a história da resistência brasileira.

Fu Lana acaba rindo das críticas que leu sobre a trilha. Chico Buarque é imprescindível! O que alguns intelectuais querem? Criar a história de novo, com outras músicas? É duro: o cara vai lá, faz músicas maravilhosas, que dizem tudo da época horrível em que todos estávamos metidos, sua melodia e suas letras fazem cair lágrimas sinceras até durante os créditos do filme, e vem um senhor crítico, do alto de suas leituras aprofundadas, e diz: a trilha é mesmice, choveu no molhado. Desse jeito, só podemos dizer: temos os críticos que merecemos.

O filme vale e renova por muito tempo. Pelo menos garante que a gente sacuda as teias de aranha e nos põe alerta contra qualquer ameaça às liberdades que possam estar ainda na mente de alguns malucos por aí. Será?