Até que tá durando!
De Christian Jung, para o Coletiva.net

Conviver com pessoas com deficiência ou alguma síndrome vai muito além das dificuldades de espaço social, ibilidade e inclusão no mercado de trabalho. É preciso também lidar com a ignorância. Já contei em outros artigos que sou pai da Vitória, que tem paralisia cerebral, e meu genro tem síndrome de Down. Aprendi muito nesses 30 anos de vida - idade da Vitória. Não é nada fácil. E aqui me restrinjo a falar sobre eles, porque, em diferentes casos, teremos diferentes comportamentos, alguns relacionados às limitações cognitivas, outros às limitações físicas.
Dia desses, encontrei um pai com uma menina de 9 anos com síndrome de Down. Feliz, ela corria pelo posto de gasolina, desfilando com seu uniforme do colégio. Me aproximei e comentei sobre as possibilidades que ela teria pela frente, já que, na minha bagagem, carrego algumas batalhas vencidas.
Quando somos pais novos, corremos atrás de informações o tempo todo. Precisamos romper barreiras de preconceito que reduzem nossos filhos a pessoas doentes, limitadas, sem perspectiva. Há decisões difíceis: escolher entre escola particular ou pública, enfrentar experiências frustrantes com instituições que carecem de estrutura pedagógica adequada, lidar com professores que, muitas vezes, não estão preparados ou encontram dificuldades no ensino. Tudo isso, no fim, é uma loteria. Há colégios públicos com excelentes profissionais, particulares com limitações - e vice-versa. Cada fase nos obriga a repensar.
De volta ao pai e sua filha no posto de gasolina. Contei sobre a importância do convívio social e das possibilidades de viver em harmonia: participar de festas, ter amigos, namorar, noivar, casar, se for o caso. Conviver com pessoas que também enfrentam suas dificuldades e limitações. Alguns se alfabetizam, outros não... e tudo bem. Não adianta colocar as frustrações acima das expectativas. Com certeza, não é como nos comerciais de margarina - nada é como nos comerciais, aliás. E lembrei que, por vezes, achamos que não vamos conseguir.
Na troca de ideias, ele me perguntou:
- E vocês? Amadureceram muito?
- Envelhecemos - respondi.
Me arrependi na hora. Mas foi o peso da responsabilidade que veio aos ombros. Conforme envelhecemos, e nossos filhos também, é inevitável pensar no futuro deles: haverá alguém para ampará-los? E esse alguém precisa assumir essa responsabilidade? São perguntas que nos atormentam diariamente, porque não temos como prever o destino de cada um.
Mesmo com todas as nossas preocupações como pais, sabemos que hoje há avanços médicos e sociais que garantem uma qualidade de vida muito melhor para nossos filhos, especialmente se compararmos com um ado em que o conhecimento sobre tratamentos era mais limitado.
No caso de pessoas com síndrome de Down e paralisia cerebral, sabemos que a estimulação precoce, os avanços na medicina - com exames e cirurgias -, o acolhimento e o apoio são transformadores. Para os pais também. Não é fácil. Temos momentos de alegria e tristezas arrebatadoras. Momentos de instabilidade emocional e de suprema surpresa.
No caso da Vitória e do meu genro, a relação vem sendo construída há anos, envolvendo tanto a família dele quanto a nossa. Não existe uma independência definitiva. Mas existe a possibilidade de amarem alguém, como todo mundo. De viverem as alegrias de conquistar e perder um amor, de se tocarem, conhecerem seus corpos e aproveitarem a vida com o que lhes foi dado. É uma construção diária, até o fim.
Mas a ignorância sempre nos dá um tapa na cara.
Em uma dessas conversas de clube social, à beira da piscina, um casal se aproximou dos pais de uma jovem com síndrome de Down. Ela é querida, bonita, esperta, divertida e extremamente gentil. A família é descolada, experiente, já enfrentou várias batalhas. Mas sempre pode ser surpreendida.
- Que idade ela tem? - 34! - Nossa, como ela tá durando!
Quando pensamos que já ouvimos de tudo, nos vemos encurralados, tendo que justificar a ignorância alheia.
- Por que ela disse isso, mãe? Então será que eu já tinha que ter morrido?
Engulo minha lágrima enquanto reproduzo esse diálogo e concluo: infelizmente, a ignorância ainda "tá durando"!
Christian Jung é publicitário, locutor e mestre de cerimônias.